Urana
feminismos, pirataria, subteorias, políticas monstruosas, movimentos de vida, multidões, artivismo, lutas anômalas, saberes desobedientes e dissidência
Medo de Glitter
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NÃO MANTER EM SEGREDO DESEJOS INCONFESSÁVEIS

 

por K-trina Erratik

escrito em 15/08/2013, às 06:26 da manhã, na rebordosa de uma noite não dormida e festejada

 

Nuestra venganza es ser felices” Mujeres Creando

 

O banheiro dos homens foi ocupado. E não como de costume, por seus corpos castrados de cu, sua inteligência de self-made man, sua racionalidade a toda prova, suas políticas viris e todas essas mijadas-em-pé do macho hétero ocidentalóide. O banheiro dos homens está, desta vez, ocupado por uma horda de homens fracassados, sapatânicas assassinas, bichas anômalas, translésbichas extra-terrestres; gente do fora, gentália, gente que não fala a língua da normalidade e que, por isso, procria dialetos estrangeiros; gente que estrangeiriza o de casa, porque não tem casinha, caixa, etiqueta, padrão de fábrica. O banheiro dos homens foi ocupado por gente que resiste a viver com medo de não ser homem, gente que desfaz o homem, implode-o em submasculinidades, femininos excessivos e seis mil outros gêneros não catalogados.

Porque o homem de verdade se treme de medo diante do não-homem que o perpassa. O homem de verdade é um animal acanhado, adestrado pelo seu dever-ser-homem, xerife de si, enjaulado em seus próprios privilégios, feliz em dar corpo à repetição das cadeias do cotidiano e covarde diante do que lhe outrifica. Em nossa ocupação, pusemos pelo menos dois pra correr com nada mais que glitter. Purpurina, lantejoula, pérolas, luzes, paetês e dildos e amatorias compõem, em meio a estiletes, canivetes, soqueiras, porretes, tacos e bastões, nosso arsenal armamentício contra a violência dos homens de verdade que não cessam de tentar afirmar uma força nunca maior que sua própria covardia diante do que lhe parece fraco. Medo de glitter, de plumas, de tinta fluorescente, de esmalte para unhas, de blush e sombra, medo de ganhar um beijo grego e gostar e de ser visto gostando, medo de ser visto não sendo homem… Nós, que somos diariamente afetadas pela patética violência desses castrados, perguntamos a nós mesmas: por que insistir em temer sujeitos tão impotentes e estéreis?

Os homens de verdade do Setor II, que não admitem sequer um momento de deslocamento de seus privilégios, irritados com a descaracterização de seu banheiro por um bando de desordeiras, foi queixar-se com a supervisão e mobilizou a segurança para reaver o banheiro interditado. Fomos visitadas por, pelo menos, dois grupos de seguranças, entre servidores e terceirizados, mais ou menos agressivos, com os quais tivemos de negociar nossa permanência. Os homens do exército da reitora nos sugeriram fazer uma política em nível institucional, solicitando oficialmente autorização para transgredir, ao que pareceu acertado responder-lhes: “Não somos normais. Não nos interessam os percursos normais”.

O que falta à sociedade normal, a nós nos sobra: brilho. Nossas festas são muito melhores, nossos corpos mais vorazes, nossas bocas gulosas, a dança é farta e excitamos cucetas cósmicas; queremos instigar fendas onde não existem fendas, orifícios por onde contrabandear alegrias anormais para o coração do Império de normalidades mornas. E seguimos a fazer políticas monstruosas, que já não somos a esquerda organizada em torno de um projeto unitário, nem o movimento estudantil que ocupa a reitoria e constrói uma pauta de reivindicações; somos estranhos, descentrados, transviados e descomprometidos com um projeto consistente de universidade livre: nossa luta é pelo direito de sentir-se seguro no aqui e agora, nossa liberdade não depende de projetos consistentes mas de ações diretas, nossa guerrilha é festa e nossa vingança é sermos felizes.

Os alunos respeitáveis e professores e funcionários respeitáveis insistem em perguntar: “mas o que vocês querem?” A pró-reitora respeitável pode ser que também venha, a qualquer hora, para anotar nossas reivindicações, ainda que nós não reivindiquemos nada além do que já fizemos, ainda que não queiramos nada que já não tenhamos feito por conta própria: a instauração de um banheirão como zona política pós-gênero e sexodissidente. Queremos autonomia e a autonomia não se reivindica, ou é agida ou não é. Não queremos pedir nada aos homens de verdade nem às instituições que chancelam seus privilégios. Porque documentos timbrados de nada adiantam, são meros pedaços de papel aos quais a burocracia das instituições confere poder; meros pedaços de papel assinados que não vão nos defender de um agressor quando for necessário fazê-lo.

BIBA LA REVOLUCION!

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